sexta-feira, 18 de março de 2011

Maria Bethania e “os consagrados pelo oligopólio”

Até ontem eu estava achando um absurdo essa perseguição ao projeto do blog da Bethania. Pois o projeto é maravilhoso e urgente. Acho fantástico ter poesias lidas pela Bethania na internet. Parabéns a quem teve a ideia e aos proponentes.
Também não tem nada de absurdo um blog custar 1,3 milhão. Depende do blog, obviamente. Mas esse tinha mais de 300 vídeos e imagino que outras estratégias on-line. Acho maravilhoso e importante que os criadores de conteúdos de internet também sejam bem renumerados. Dizer que internet é feita gratuitamente ou a baixo custo só interessa a quem não faz internet. Renumerar bem quem faz internet é parte importante de uma política de democratização cultural e de democratização econômica.
Mas hoje eu li sobre o cache da Bethania: 600 mil (50 mil por mês). Pessoalmente, me pareceu um salario alto demais para a Lei Rouanet no formato atual. Ainda mais sabendo que esse valor é quase metade do orçamento. Em termos estritamente técnicos, falando de análise de projetos, é estranho uma só pessoa ganhar mais que toda a equipe junta. É uma critica pertinente. Mas é apenas uma crítica pontual. Foi –na minha opinião – uma avaliação equivocada da Comissão que avalia projetos. Uma comissão que – vale destacar – não é Estatal, é pública (pois tem representantes de toda a sociedade). Acredito que isso deve ser revisto.
Mas não quero aqui discutir erros pontuais. Acho mais interessante perceber como esse debate revelou questões mais amplas do mercado cultural brasileiro como a concentração da mídia (e de mercado) e o consequente “rancor de classe”. Além disso, esse debate permite que debatamos uma questão importantíssima: a relação entre democracia e meritocracia.
Para que o debate avance tranquilamente vale dizer que a única coisa que estamos discutindo aqui é o “INTERESSE PÚBLICO” em pagar uma alta “renumeração” a artista principal de um projeto. Só isso. Não vamos misturar com preconceitos e rancores. Não acho que faça sentido criticar o artista como indivíduo, nem a produtora proponente. Eles pedem o que acharem que é justo, desde que esteja na lei. É função da comissão pública do Ministério dizer se o pedido atende ao interesse público. O fato é que a Lei atual permite esse alto salário. O projeto foi aprovado, então a produtora e os artistas não fizeram nada de errado. Vamos parar de personalizar, pois isso parece rancor de classe. Esse rancor é um sintoma de algo mais generalizado que é uma perseguição aos artistas consagrados. O fato – gostemos ou não – é que a Bethania ganha super bem mesmo. Vamos conviver com isso e seguir com o debate.
O que estamos realmente discutindo é algo mais interessante: a lei que paga salários com dinheiro público deve permitir altos salários?
Não é uma questão tão simples quanto parece. Se simplesmente impedirmos altos salários teremos dificuldade em aprovar qualquer projeto com artistas consagrados, que no mercado ganham valores muito altos. Alguém pode dizer: “Bethania, quer ganhar bem? Então que vá ao mercado!” . Ok.. Mas o fato é que “no mercado” a Bethania não poderia fazer poesia. Faria apenas o que já faz. Não inovaria nos conteúdos. Será que não interessa ao estado brasileiro ter projetos que ele apoia conduzidos pela Maria Bethania? Eu acho que interessa. Ainda na linha de personalização alguém poderia afirmar: “Ela já é rica, que faça as poesias de graça”. Seria o lado Ong da Bethania, uma doação dela ao seu povo. Não concordo com essa lógica assistencialista, pois acredito que ela condena os bons conteúdos a serem feitos sem renumeração. Ou seja, os bons conteúdos ficarão para sempre meio amadores. Profissional mesmo é o “mercado”, que faz sempre o mesmo. A inovação é assistencialismo. Isso só interessa a quem não quer fazer bons conteúdos e já faz a mesma coisa. Eu acho fantástico que a Politica Cultural incentive conteúdos de qualidade e dispute com o mercado para que grandes artistas façam conteúdos de qualidade. Por isso acho que devemos começar a pensar mecanismos diferenciados (e dentro dos valores de uma ética pública) que incentivem grandes artistas a fazer projetos de alta qualidade artística.
Por outro lado acho que esse debate mostrou algo que julgo saudável: as pessoas começaram a ficar bravas com os altos salários dos artistas consagrados. Finalmente.
Vale lembrar que esses altos salários não são de hoje. Devido ao nosso modelo de televisão centralizado e com audiência muito concentrada, há poucos escolhidos que são consagrados. Eles ganham salários milionários. Todos os outros ficam na pindaíba. Isso é algo que existe há décadas. Acho saudável que todos nós – que não somos “consagrados pelo oligopólio” – comecemos a perceber esse absurdo. Mas não adianta criticar o artista individualmente. Nem o Ministério da Cultura por um erro pontual. Vamos perceber o que esta realmente por trás disso tudo.
Acho que o que estamos criticando mesmo é o oligopólio da indústria cultural brasileira. Somos o país com mais concentração de audiência. Isso gerou uma pequena casta de escolhidos que ganham milhares de vezes mais que os outros. Isso é algo estranho numa democracia. Temos que batalhar pela democratização da mídia, que incluirá a democratização econômica. Quer falar de altos salários? Será que não é o caso de discutirmos os contratos milionários dos artistas televisivos brasileiros? E os poucos músicos “consagrados pelo oligopólio”? Muitos (e muitos) ganham mais de 1 milhão por mês. Todo mês! Isso é normal? Não é um escândalo público? Como eu disse não critico os artistas pessoalmente. Mas falando em termos públicos: é estranho que exista tamanha concentração. Alguém pode argumentar que o dinheiro é privado, das empresas, não é dinheiro público. É verdade. Mas é função do poder público regular o mercado. E aí há um caso claro de concentração econômica que pode ser minimizado por politicas de regulação. E é sempre bom lembrar que a televisão é concessão pública. Nosso modelo de concessão escolhe poucos canais, poucos detentores privados, que escolhem quem são os BILIONÁRIOS. Se democratizássemos os canais (com a tv digital isso é possível) democratizaríamos a renumeração de artistas e as rendas seriam mais próximas. Não existiria rancor de classe e nem existiria o “caso Bethania”.
Mas temos que tomar um último cuidado com isso: a democracia não pode se opor a meritocracia. Nos últimos anos avançamos muito em políticas de democratização. Mas não avançamos em politicas meritocráticas. A democratização permitiu que milhares de realizadores mostrassem sua face e começassem a realizar suas obras. Mas eles não conseguem se sedimentar no mercado, ficam sempre dependentes do poder público. O mercado continua fechado para eles (e daí surge o rancor anti Bethania). O que esta acontecendo é um certo apartheid: os consagrados ficam com o mercado, todos os outros “não consagrados” estão querendo monopolizar as “verbas públicas”. Sempre que um artista consagrado quer apoio público os “não consagrados” ficam furiosos pois consideram que o Estado é o mercadinho deles. Temos que romper essa falsa dicotomia.
Para isso é preciso conciliar democratização com meritocracia. Acho que temos que discutir claramente que “artistas já consagrados” devem ter políticas específicas para eles. Vou falar da área de cinema, que eu acompanho mais. Acho surreal que cineastas já consagrados como Babenco, Furtado, Domingos Oliveira, Sergio Bianchi e muitos outros estejam hoje sofrendo imensas dificuldades de captação. Eles poderiam ter apoio “automático” para a realização. Não automático para a eternidade, é claro. Se eles errarem muitos filmes em seguida , quem sabe, podem perder esse apoio. Mas até hoje eles já acertaram vários filmes. Tem boas chances de acertar os próximos. É interesse público que eles façam mais filmes e façam rápido. É interesse do PÚBLICO mesmo, do público espectador, que já provou que gosta de seus filmes e que tem o “direito” de ver novos filmes deles na tela. Perseguir eles em nome da democratização é fazer uma “democratização corporativa” (uma expressão em si contraditória), que é criada apenas do ponto de vista de quem esta na “área”, de quem “faz cinema”, esquecendo do verdadeiro interesse público, que é o interesse da pessoa que consome cultura.
Por outro lado a meritocracia também interessa aos jovens talentos. Mas “não a todos” os jovens talentos. A democracia meritocrática interessa apenas aos artistas mais talentosos. Quando começarmos a fazer políticas meritocráticas os jovens que acertarem em seus primeiros curtas terão mais facilidade para produzir seus longas. Os que erraram em seus curtas, terão mais dificuldades. Isso parece obvio, mas não esta acontecendo com clareza. Devido a imensa pluralidade de comissões com critérios diferenciados e com jurados que são escolhidos a partir de indicações da própria classe estamos ficando reféns de uma lógica corporativa, aonde a decisão sobre qual filme vai ser apoiado é tomada a partir do gosto (e até mesmo dos contatos pessoais) desses membros da comissão. Politizamos demais a politica cultural, a escolha artística virou resultado de uma politiquinha corporativa. Isso é uma confusão entre democracia e corporativismo. Isso não interessa a ninguém, muito menos ao PÚBLICO espectador.
Mas voltando a música. Lá o caso é diferente, pois existe mercado real. No cinema estão todos presos na lógica de dependência do estado (é como se Bethania precisasse de apoio estatal para gravar seu cd). O interessante é que esse caso “Bethania” revelou várias coisas, pois chocou a “música de mercado real” com os “mecanismos de apoio público”. E esse choque ajudou a revelar algumas contradições do mercado cultural brasileiro.
Para concluir apenas reenfatizo o que já disse: acho que temos que aproveitar esse caso para discutir questões mais de fundo, como o oligopólio da mídia brasileira que resulta em imensa concentração econômica; a necessária harmonização entre democracia e meritocracia, e a necessidade de pensarmos politicas culturais públicas específicas para artistas consagrados.

Newton Cannito é cineasta e escritor. Foi Secretario do Audiovisual do Ministerio da Cultura. (www.doutorcaneta.blogspot.com)

6 comentários:

  1. Muito bom, Dr. Caneta. E que fique claro que só critiquei publicamente os envolvidos quando os envolvidos foram com a cara de pau na imprensa dizer que o custo do projeto era alto porque envolvia muitos profissionais e iria fazer vídeo de qualidade quando o projeto mostrava que havia superfaturamento nos cachês. O que se revela no caso Bethânia é uma ganância dissimulada de vontade de fazer arte.

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  2. Ola Mares. Foi uma polemica mais tecnica. Discordo do termo superfaturamento do cache. Era cache mesmo, estava no projeto, que é publico. Prefiro cache alto publico do que superfaturamento. Cache alto publico pode até ser questionado, como esta sendo, tudo normal no jogo democratico. Mas é otimo o debate, penas que a gente tem que trabalhar e não vive disso,he,he
    Ah, e outra coisa. Quem escreveu esse artigo foi o Cannito mesmo, não o Canneta. O Canneta é um palhaço completo, discordo de tudo que ele fala. Já eu, o Cannito, sou uma pessoa séria, figura publica, ex-político inclusive! rsrs
    abraço

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  3. Veja, nobre amigo: Só te pergunto isso: QUEM PAGA ESSA CONTA ABSURDA? QUEM PAGA? Consegue explicar? Será que é do IR? RSRS! Ainda que fosse correto, o Brasil inteiro não aceita isso. Se fosse bom precisava pedir dinheiro público? As empresas patrocinavam, ou não? É ridículo demais essa projetinho autoritário. E mais, fazer blog é gratuito, com a qualidade que o cara quizer, ou não? Em que mundo, quem defende esse absurdo vive? OIE, é século XXI. O mundo mudou, se liga!

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  4. ROMANEGOCIOS, tenho que discordar de você. Fazer blog é gratuito para quem acessa o blog, mas não para quem o faz. Ou você acha que as horas de trabalho não valem nada? O autor pode até não receber um pagamento, mas que tem trabalho ali, tem, e se tem trabalho tem um valor que deveria ser pago. No Brasil e no mundo existem inúmeros blogueiros que ganham dinheiro com seus blogs, principalmente com propagandas ou vendas de produtos de merchandising (camisetas, bonequinhos, etc). Da mesma forma que existem produtoras que ganham rios de dinheiro com merchandising e bilheteria de seus filmes, enquanto outras precisam do dinheiro público para produzir. Se o problema for esse, o que deveríamos começar a discutir é a democratização do acesso aos cinemas brasileiros, com uma séria redução dos preços dos ingressos para os filmes nacionais feitos com dinheiro público. Se o filme já se pagou, porque temos que pagar um ingresso tão alto? Concordo que no caso da Bethânia, o cachê dela está alto demais para os padrões da internet brasileira, isso deve ser discutido. Mas dizer que o blog deveria ser feito de graça é um absurdo. É afirmar que o trabalho da pessoa não vale nada.

    abs

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  5. ROMANEGOCIOS, tenho que discordar de você. Fazer blog é gratuito para quem acessa o blog, mas não para quem o faz. Ou você acha que as horas de trabalho não valem nada? O autor pode até não receber um pagamento, mas que tem trabalho ali, tem, e se tem trabalho tem um valor que deveria ser pago. No Brasil e no mundo existem inúmeros blogueiros que ganham dinheiro com seus blogs, principalmente com propagandas ou vendas de produtos de merchandising (camisetas, bonequinhos, etc). Da mesma forma que existem produtoras que ganham rios de dinheiro com merchandising e bilheteria de seus filmes, enquanto outras precisam do dinheiro público para produzir. Se o problema for esse, o que deveríamos começar a discutir é a democratização do acesso aos cinemas brasileiros, com uma séria redução dos preços dos ingressos para os filmes nacionais feitos com dinheiro público. Se o filme já se pagou, porque temos que pagar um ingresso tão alto? Concordo que no caso da Bethânia, o cachê dela está alto demais para os padrões da internet brasileira, isso deve ser discutido. Mas dizer que o blog deveria ser feito de graça é um absurdo. É afirmar que o trabalho da pessoa não vale nada.

    abs

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  6. Boa Tarde!!

    Meu novo Projeto!

    http://365bethanias.blogspot.com/2011/03/betania-milionarios.html

    Obrigado!

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