domingo, 2 de agosto de 2009

O ciclo de desconfiança

Caros amigos,

Saiu um artigo do Luiz Eduardo já está publicado no site Gramsci, muito interessante. Basta seguir o link
http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=1123

O artigo me motivou a escrever umas reflexões que comecei a ter por esses dias. Foi durante o debate com o Juca Ferreira e Alfredo Manevy no Teatro Oficina. Eu troquei umas idéias com o Pedro Rovai e bolamos esse conceito de ciclo de desconfiança, de como o controle público dos orçamentos evoluiu para um estado paranóico que, de tanto medo de ser “roubado”, acaba incentivando a corrupção. E de como esse modelo tem causado sequelas a criação.
Por coincidência dialoga com o texto do Soares e, após ler o artigo dele, decidi botar no papel.
Espero que contribua.
abraço
Newton

O ciclo de desconfiança
(ou como o estado paranoico incentiva a corrupção)

Sempre que me envolvo minimamente com produção cinematográfica fico chocado com a quantidade de papeis que eles exigem. A coisa é tão maluca que os tecnicos recomendam os produtores a , antes de realizar o filme, já elaborar a prestação de contas. Isso sem ter ainda negociado com nenhum de seus parceiros, não tem fechado nenhum cache, não ter ainda negociado com fornecedores, etc... Mas você já tem que definir todos os custos antes, pois não poderá mudar depois. Assim, um projeto tem agora duas obras ficcionais: o roteiro e o orçamento.
É um caso tipico de estado que, paranoico pelo medo de ser roubado (ou de ser denunciado pela Veja, na verdade), acaba incentivando a corrupção
É um ciclo de desconfiança!
O Estado parte do pressuposto que todos os produtores culturais são bandidos que querem assaltá-lo. É como se toda vez que você saisse a rua houvesse policiais revistando todos os cidadãos para ver se eles não são "criminosos". É um Estado de vigilancia permanente, um estado paranoico.
O pior é que isso incentiva a corrupção. Psicologia básica. Teve uma epóca que eu tinha muitas amigas e amigos entre pessoas que são próximas a criminalidade. Eles viviam em casa, faziamos festas e viamos filmes. Nunca ningúem me roubou. Mas uma noite olhei para uma menina e achei que ela ia me roubar. Fiquei com isso na cabeça, não me saia da mente. Eu olhava para ela desconfiado, preocupado. Numa dessas olhadas ela notou. Eu fiquei ainda mais preocupado. Pensei em fazer alguma coisa, tirá-la de lá. Mas ela já tinha roubado meu IPOD e saído de fininho. Foi um tipico exemplo. Ela é realmente uma pessoa que tem hábito de roubar. Mas não acredito que ela estava pensando em me roubar. Pois ela não era patólogica. Mas quando eu a julguei como ladra, ela na mesma hora, decidiu me roubar. Meu julgamento prévio a motivou.
É assim que a constante desconfiança do estado diante dos parceiros que ele apoia acaba gerando um ciclo de desconfiança. Um ciclo aonde todos acabam fazendo orçamentos fantasiosos para suas obras, apenas para justificar a prestação de contas em relação ao estado. Assim, um cara que apenas está fazendo um projeto cultural de 50 mil reais, começa a usar as mesma "técnicas" de prestação de contas falsas, de um corrupto mega-milionário.
Tal como as cadeias ensinam jovens a serem criminososo graduados, o modelo de produção cultural ensina os realizadores a falsificarem orçamentos.
Além de incentivar a corrupção esse modelo inibe a criação artistica livre, pois burocratiza, exige previsão completa da obra a ser realizada, invializando todos os produtos artisticos baseados em work in progress. A criatividade é totalmente inibida.
É preciso romper o ciclo de desconfiança
Jà existem soluções ensaiadas no Estado
Um projeto como o DOCTV não pede sequer prestação de contas ao produtor do documentário. Ele parte do pressuposto que o estado está investindo no filme sendo, inclusive, sócio do produto final. Então ele dá a grana e exige, como prestação de contas, apenas o produto final.
É uma solução fantastica em sua simplicidade!
É claro que o doctv ainda trabalha com valores menores. Para valores maiores pode ser que sejam necessárias outras formas de "controle". Pode-ser por exemplo, distribuir o dinheiro em 3 parcelas. Mas permitindo a permanente recriação do orçamento e sem panico com a suposta roubalheira. Supondo-se que o produtor conseguiu gastar menos do que previsto no filme. Há algo de errado em ele ficar com o restante?
Para mim obviamente não!
Isso de querer impedir que o produtor ganhe a sobra da grana é resquicio de ética católica que quer impedir o enriquecemento dos capitalistas brasileiros.
SE ele consegue entregar um produto de qualidade com menos custos (e cumprindo, por exemplo, as tabelas dos sindicatos para salarios das pessoas), não há mal nenhum em o produtor ficar com o resto da grana
Para um investidor, o estado, o que deve interessar é que ele fez a obra. E a qualidade da obra.
Se o estado parar de se imaginar como provedor de ajuda, e se imaginar como investidor, ele deixará de tratar os empresarios (culturais ou de qualquer área) não como um suposto ente que quer assaltá-lo. Ele pensará nos empresários como sócios na construção de um mesmo projeto: um Brasil melhor. Será quebrado o ciclo de desconfiança e os talentos poderão aflorar.

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