A ÉTICA DA FLORESTA
E O ESPÍRITO DAS ECONOMIAS CRIATIVAS
Vivemos uma
crise civilizacional.
O progresso e
o crescimento econômico não tem conseguido deixar a sociedade mais justa e mais
feliz.
Bilhões de
pessoas continuam passando fome e, mesmo as pessoas que são ricas, continuam
ansiosas e infelizes. O consumo desenfreado e a disputa egóica por pequenos
objetos “mágicos” de consumo (carros, roupas, etc..) não tem conseguido
gerar felicidade sequer para os milionários. Surgem novas doenças individuais
e coletivas. A ansiedade celular gerou o câncer, a ansiedade social gerou a
violência urbana e o trânsito. Toda essa ansiedade junta pode nos levar a um
cataclismo ecológico. Tudo isso são tragédias democráticas que atingem ricos e
pobres. Estamos num momento aonde já percebemos que temos duas opções: ou damos
uma parada para respirar ou vamos morrer de ansiedade. E matar todo mundo. Literalmente,
infelizmente. E, as vésperas da Rio + 20 e em pleno 2012 já ficou claro que
temos que parar agora. E pensar na vida.
Acima de tudo
nós temos que descobrir, fortalecer e irradiar uma nova ética, um novo modo de
ser e estar no mundo. Mais do que uma
pauta que disputa a prioridade com outras “Pautas Sociais” a ecologia é uma
nova forma de ver o mundo, uma nova cultura e uma nova ética. Um bom nome para
essa nova ética é Ética da floresta. Outros nomes possíveis são Ética Xâmanica,
Ética das Redes ou do Rizoma. Podemos escolher ou inventar um novo.
O importante é
que essa nova Ética já existe e esta difundida muito além do movimento
ecológico. Ela está presente nos coletivos artísticos, nas redes de cultura
digital, em instituições que se reinventam e se tornam radicalmente
democráticas, em novos modelos de gestão para organizações religiosas, em ONGs,
em movimentos sociais e, até mesmo, em novos modelos de organizar as empresas e
revolucionar as corporações capitalistas de todas as áreas produtivas. Essa
nova ética já esta sendo aplicada na prática e entender como ela funciona serve
para trazer a consciência suas características, permitindo agilizar sua expansão.
Todos os encontros, debates, vivências ajudam
a descobrir, conceituar e irradiar essa
nova ética. Descobrir é a palavra certa, pois ética não se inventa na mente.
Ética se pratica primeiro e se conceitua depois.
A
boa notícia é que essa nova ética é também uma tendência econômica e ela esta
diretamente ligada ao Espírito das Economias Criativas.
Como
Weber demonstrou em seu ensaio clássico a Ética protestante era
adequada ao Espírito do Capitalismo.Da mesma forma, a Ética da Floresta é
adequada ao Espírito das Economias Criativas.
E é essa economia criativa é que vai superar os limites do capitalismo e
permitirá o surgimento de uma sociedade mais livre, justa e feliz. Sim, mais feliz.
E sim, é fato!
Temos que respirar e admitir: nós temos uma nova Utopia! E é uma Utopia que já
esta se tornando real na prática de muitos grupos e que temos que ter a coragem
de difundi-la. E essa nova utopia, como toda boa utopia, dissolve pequenos
conflitos e recria antigos conceitos, descobrindo um novo caminho a ser
seguido. Continuamos sem saber aonde chegar e gostamos disso. Mas agora podemos voltar a ter um caminho.
Para entender
melhor tudo isso vamos conceituar a relação entre ecologia, cultura e ética e
listar as características da Ética da Floresta. Ao final voltaremos para
discutir de que maneira essa nova ética favorece o crescimento da Economia
Criativa.
A necessária aproximação
entre cultura e ecologia
A cultura e a
ecologia tem comum o fato de não poderem ser apenas “setores” da sociedade.
Mais do que um setor da “luta” social a ecologia é justamente uma forma
sistêmica de ver o mundo. Ela não pode ser um “setor” (ou segmento) justamente
porque é baseada na percepção de que tudo está interligado e de que não existem
setores isolados. A ecologia é também a visão de rede rizomática muito debatida
nos movimentos de cultura digital. Por isso a ética da floresta e a cultura
digital são tão parecidas e são, na verdade, a mesma coisa: pois ambos percebem
que tudo esta conectado a tudo! A ecologia já é muito mais que um movimento
reivindicatório político e está se tornando uma nova cultura que propaga uma
nova ética: a ética da Floresta.
Mais do que um
Ministério pequeno da Esplanada a Cultura é algo que deve perpassar todas as
ações de um governo e de uma sociedade. A cultura é quem dá o amálgama de todas
as coisas, é quem pauta o comportamento cotidiano, orienta nossa vida. Com a
ecologia tem que ser igual. A ecologia tem que ser mais que ações bem
intencionadas para maquiar catástrofes ecológicas provocadas por uma ética capitalista
contrária a ecologia. A ecologia tem que
ser preventiva e ir além de fazer remendos. Temos que atacar a doença e não apenas
minimizar os sintomas. Temos que atacar na cultura e no modo de vida. A
ecologia tem que estar incorporada a nossa forma de viver, a nossa ética, a
nossa cultura. Temos que viver na Ética da Floresta.
A cultura e a
ecologia tem que se aproximar imediatamente e de forma definitiva. Ambos são
secundários no modelo atual de civilização, pois ambos são opostos a visão
capitalista de desenvolvimento. Pessoas felizes são menos ansiosas, consomem
menos e consomem melhor. E para além de
nossa ansiedade por desenvolvimento econômico temos que admitir que o mundo
precisa dar uma respirada e parar para ouvir uma musiquinha. Cultura, arte,
criação e adoração da vida em todas as suas formas. Esta aí uma boa pauta para
ser ecológico sem ser ecochato.
Porque Ética? E como é viver em rede?
Quer queira,
quer não o ser humano está “condenado” a viver em rede. Então é aproveitar e
curtir essa onda. E nessa onda está a
ética.
A ética é quem
dá a liga para nossa atuação social. O ser humano tem livre arbítrio, mas toma
suas decisões cotidianas a partir de sua ética. A ética é tipo o software
(ou o sistema operacional, o DOS) que instalamos em nosso computador/cérebro
para orientar nosso comportamento cotidiano. É a ética que estabelece
nossas prioridades e nossos limites e, dessa forma, orienta nossas decisões. Se
tivermos uma ética inadequada seremos infelizes e tomaremos decisões
equivocadas. Temos que usar nosso livre arbítrio para além das pequenas
decisões de consumo que a ética Capitalista define como liberdade. Liberdade
para mim é mais que escolher entre duas marcas de carro caríssimas que eu
compro me endividando no banco. Liberdade pode ser escolher andar de bicicleta
e viver sem dívidas.
Temos que usar
nossa liberdade também para escolher uma nova ética, um novo sistema
operacional para nosso cérebro. E podemos optar por uma ética mais adequada aos
tempos atuais e uma ética que nos tornará mais felizes.
Essa nova ética
é a ética da Floresta, ou a ética xamânica, ou a ética das redes rizomáticas. E
o melhor de tudo é essa ética é a Ética mais adequada à nova era das economias
criativas.
Ética da Floresta x Ética
Capitalista
Vamos listar
rapidamente as diferenças entre Ética da Floresta e Ética Capitalista.
Xamanismo
é fogo. A Ética Protestante busca a
estabilidade, busca o eterno, busca as mensagens gravadas na rocha. A ética
xamânica é a ética do fogo, que queima e transmuta, é a ética do “seja eterno
enquanto dure”. Viver na ética da
Floresta é saber lidar com a morte (simbólica, real,etc..) e com o desapego (de
funções, do poder, de tudo). Só quem tem desapego consegue correr os riscos
necessários para viver a verdadeira inovação permanente. Xamanismo é uma ética
nômade que tem desapego pelo passado e que aceita e valoriza a mudança que
ocorre no presente.
Ética Protestante é também a
Ética da Razão. Por isso, ela valoriza a racionalidade, busca de uma totalidade
organizada, uma ordem. Quer sempre chegar a totalidade e ao definitivo.
A Ética da Floresta esta sempre
procurando criar a ordem a partir do caos. A ética da Floresta não nega a
racionalidade. Mas a considera apenas como uma das ferramentas que podemos usar
para sobreviver na selva. Uma ferramenta que funciona em certas situações, mas
não funciona em outras. A Ética da Floresta nos prepara para trabalhar com um
mundo menos “organizado” e mais complexo, aonde temos que lidar com mais
variáveis simultâneas. Por isso, apesar
de curtirmos a razão e a usarmos sempre que é possível, não temos completa fé
em nossa capacidade de realmente racionalizar o mundo. É por isso que é
necessário valorizar a intuição.
Ética da Floresta vive num mundo
que admite não ter limites definidos e que durará toda uma eternidade sem fim.
Quem vive na Ética da Floresta não acredita totalmente na totalidade e aceita o
fato de que vivemos em expansão permanente. Por isso, a Ética da Floresta lida
melhor com o novo. Quem vive na ética da Floresta não tem medo do caos, entende
que o caos é criativo. Mesmo quando é destrutivo, o caos é criativo. Quem vive
na Ética da Floresta vive botando ordem no caos, mas adora o novo que destrói a “ordem”. Não
tem apego pela “ordem” perfeita, sabe que a ordem para ser perfeita tem que
mudar permanentemente. A ética
Protestante capitalista é a arte clássica e toda organizada, a arte da Floresta
segue os princípios do Barroco, como a modularidade e a diversidade.
Selva para o racionalismo é
sinônimo de barbárie. Ele vivia na selva. Para o xamanico a selva é o sinônimo
da diversidade divertida e criativa do mundo.
Quem vive na ética da floresta
adora paradoxos. O texto acima esta
cheio de paradoxos. Quem vive na ética da floresta sabe que só o paradoxo pode
dar conta da complexidade da vida, e só o paradoxo permite que a linguagem não
aprisione o movimento do mundo.
Quem vive na ética Protestante e
racional quer chegar a verdade eterna. Quem vive na Ética da Floresta sabe que
a verdade existe, mas está em eterna mudança. Quem é vive na Ética da Razão
quer aprisionar a verdade na jaula de sua mente, enquanto quem vive na ética da
Floresta quer ver a verdade correndo tal como um lindo bicho solto. Adoramos a
verdade, mas jamais tentaremos prendê-la e fixá-la.
A Ética da Floresta é a ética da
cooperação. A ética capitalista é a
Ética da competição. Para a complexidade do mundo hoje é cada vez mais
necessário a criação de projetos que tenham diferentes expertises e
inteligências, muitas vezes feitos por várias empresas e instituições atuando
em conjunto. Quem fica preso a ética da competição acaba perdendo a “disputa”.
Ganha quem sabe cooperar. No mundo de hoje, vence quem não está jogando. Também
nos trabalhos criativos é cada vez mais comum a percepção da inteligência
coletiva (conceito usado por Pierre Levy), que surge num coletivo de seres
humanos e é muito maior que a soma de todas as partes. Isso é visível em
qualquer ritual xamânico e em qualquer grupo de criação coletiva. Para efetivar
projetos complexos que conseguem sucesso é necessário o surgimento dessa
inteligência coletiva e ela só surge em ambientes colaborativos e não
competitivos.
Ética Capitalista é baseada em
Organogramas produtivos e funções rígidas. O problema é que isso não tem
contemplado a rapidez de mudança do mundo atual.
Ética da Floresta preza por estruturas
e organogramas complexos e em permanente transformação. Quem vive na ética da
floresta pensa o mundo como rizoma e tem consciência que todos os pontos se
ligam a todos os pontos. Não que consigamos isso em absoluto (isso seria ser
totalmente natural), mas valorizamos a complexidade e a horizontalidade dos
organogramas. Na verdade, para quem vive na ética da floresta fica um pouco estranho
imaginar um organograma 2 D em forma de pirâmide hierárquica eterna, tal qual
eram os organogramas da era fordista. Não que não exista liderança. Mas a
liderança é por projeto, por missão e pode mudar a qualquer momento. Alguém pode
liderar um projeto e ser liderado no outro. Ou mesmo no mesmo projeto pode
mudar rapidamente a liderança. Isso tudo é mutável e se transforma mais rápido.
Um projeto orientado pela ética da Floresta é como uma verdadeira aventura de
sobrevivência na selva. Para sobreviver tem que ter foco, liderança e atuação
de todos os talentos individuais em funções específicas. A liderança é mais um
maestro, mas cada um tem que ter sua total autonomia criativa para criar
soluções a cada instante. Não há espaço para líderes egóicos e apegados ao
poder. Um instante pode levar a tragédia e um grupo de sucesso está conectado e
sabe dar o poder ao líder exato naquele momento específico e destituí-lo assim
que necessário. Aliás, nem precisa
destituir pois o próprio líder aceita que tem que passar a liderança para o
outro. A liderança da ética da Floresta é a liderança que torna todos líderes
de si mesmo.
A ética racional e protestante que permitiu o espírito do
capitalismo prima pela exploração racional da Natureza. É o Robison Crusoé que vira
náufrago e não tem um momento de fruição estética e diálogo. Ele apenas elabora
um plano bem sucedido para usufruto dos bens materiais da natureza, incluindo o
índio que ele consegue convencer a servi-lo como animal doméstico.
Já a Ética Xamânica da Floresta é a ética do Diálogo com a
natureza. Tudo é diálogo, é conversa.
Você pode matar um bicho, mas tem que pedir autorização. Você sabe que sua ação
interfere e age no mundo como um visitante educado. O protestante se acha dono
de tudo, o xamânico sabe que ele é visita. O xamânico tem, portanto, cuidado em
não destruir a casa alheia. A Ética Xamânica
acha estranho a própria apropriação privada e eterna da terra. É a ética do
usufruto, o mundo é seu, desde que você use bem e deixe a casa arrumadinha para
o próximo condômino. É naturalmente
ecológico.
Ética da Floresta é a ética do dialogo permanente. Por
isso o plano existe mas se transforma. Pois antes do plano tem o diálogo. Antes
da idéia fixa existe os seres humanos. A realidade. A ética da floresta exige
uma diplomacia eterna, usa a antropofagia como diálogo com o diverso, como
forma de se misturar a diversidade. A transformação também ocorre no indivíduo
que esta aberto a se transformar. A identidade é baseada na alteridade, está mais
para um devir do que para um ser.
A Ética Capitalista tem medo do
futuro. Por isso acumula, guarda recursos.
A Ética da Floresta tem fé no
presente e fé no que a natureza pode lhe dar. A natureza inclui os seres
humanos, sua comunidade, sua tribo. A natureza oferece uma rede de proteção que
inclui, por exemplo, atendimento de saúde gratuito com o pajé, alimentação
permanente, etc... A comunidade é maior que a família , é a aldeia, a família
extensa, a vasta rede de primos e amigos que dão amparo e permitem a sensação
de segurança. Isso somado a abundância de recursos naturais permite que um
índio típico literalmente curta a vida sem medo exacerbado do futuro.
É claro que hoje não vivemos mais
na Floresta e podemos e queremos ter nossos bens. Ainda mais que dentro da
sociedade capitalista essa rede de proteção comunitária nem sempre funciona ou
funciona de forma muito restrita.
No entanto, a Ética da floresta
aplicada a vida urbana já começa a inverter a polaridade da ética capitalista.
No capitalismo tem mais prestígio quem acumula mais bens, mesmo se viver de
forma ascética (é a fábula da formiga). A ética da floresta começa a valorizar
quem doa e quem promove a abundância ao seu redor. Tem mais prestígio na
sociedade quem mais doa, não quem mais acumula. A doação pode ser em tempo,
serviços, conhecimento, talentos ou dinheiro. O importante é que o princípio da
doação se sobrepõem ao do acúmulo. É a lógica do ‘kula” analisada pelo
antropólogo Malinowski no livro “Os
Argonautas do Pacífico ocidental”. O kula
é um sistema de trocas circular, místico e sem noção de posse permanente
e foi usado como uma das inspirações do Movimento Gnu, um movimento
pioneiro nos debates sobre cultura digital e que foi importante também no
desenvolvimento do Sofware livre. Mais tarde essas idéias orientaram também a
criação de licenças como a Creative Commons.
Evidentemente que nos dias de hoje não precisamos ter o “kula” como
única forma de troca. Hoje uma mesma pessoa pode , em diferentes momentos, orientar
seu “modelo de negócios” de forma diferente. Temos que lembrar que o coletivo não
pode ser imposto ao indíviduo e ter direito autoral e patrimonial sobre obras
de sua autoria é um valor básico, um direito humano. Mas o simples fato de
termos hoje a opção estratégica de doar, de ter modelos de negócios que incluem
a doação de direitos até mesmo como estratégia de marca, e de termos inúmeros
casos de sucesso que vieram de modelos de licença mais abertos, mostra como a
Ética do Acúmulo infinito não é mais hegemônica. Quem vive na ética da floresta
tem que saber a hora certa de doar a rede e a
hora certa de ficar com os bens para si e não deve nunca acumular
exacerbadamente.
Eu poderia seguir fazendo comparações infinitas, mas
acredito que essas comparações já dão uma idéia das diferenças e nos permitem
avançar para entender como a Ética da Floresta permite o surgimento das
economias criativas.
Como a Economia
Criativa pode superar o Capitalismo e conquistar o mercado
O curioso é que, enquanto o
capitalismo entra em crise, surge dentro dele mesmo os embriões de nossa cura.
Cada vez mais a criatividade é um ativo em todas as áreas do conhecimento e da
economia. Inovação virou uma palavra chave e os inovadores conquistam o mercado.
E a criatividade surge com mais vitalidade em ambientes que propiciam seu
desenvolvimento.
Esses ambientes são ambientes
mais democráticos e menos ditatoriais; Ambientes que valorizam a diversidade e
a individualidade e que entendem que o caos antecede a criação. Que conseguem
criar coletivos que permitam o desenvolvimento dos talentos individuais.
Empresas, instituições e projetos
organizados de forma mais democrática começam a ganhar o mercado das empresas
menos centralizadoras e menos criativas. Autores como Domenico de Mais (“A
Exceção e a Regra”, “O ócio criativo”) dão consultorias para grandes
corporações discutindo modelos de gestão que permitam o surgimento da
inovação. Uma empresa como a “Pixar”
(criadora de Toy Story) é um exemplo de empresa organizada de forma a permitir
o surgimento da criatividade. A Pixar reinventou a animação para crianças e fez
um imenso sucesso no mercado, chegando a ponto de comprar a “Disney”. Sansão comprou Golias. O livro “A nova
novidade” (de Michael Lewis) narra outro exemplo, agora a aplicado a indústria
de Softwares, narrando a vida de Jim Clark, fundador da Netscape e que se
notabilizou por criar pequenos grupos criativos que conseguiam superar a
inovação e ganhar mercado da imensa corporação de Bill Gattes (Microsoft).
Esses são alguns poucos casos
entre milhares de outros possíveis. O que ocorre em empresas também ocorrem em
movimentos sociais. Uma rede como o Fora do Eixo, organizada de forma
coletivizada, consegue sucesso
distribuindo bandas alternativas, criando um mercado de cauda longa e um novo
circuito paralelo que prescinde totalmente da corporação de mídia. Alguns desses sucessos chegam até o
mainstream, realimentando e inovando o mercado.
Se isso crescer ainda mais teremos uma
verdadeira revolução libertária. Eu arriscaria até mesmo dizer que teremos A
VERDADEIRA revolução libertária. E o que começa no campo da cultura pode chegar
a todas as áreas. No dia que consumidores escolherem livremente por produtos
agrícolas orgânicos que só existem se cultivados em pequenas propriedades e de
forma mais artesanal haverá a necessidade econômica de uma reforma agrária. Não
precisará sequer de invasões de terras, pois o modelo econômico da pequena
propriedade ganhará a disputa de mercado com o modelo econômico da grande
propriedade. A revolução agrária, portanto, começa na mesa de jantar de sua
casa. No dia que mais coletivos artísticos conseguirem criar obras
artísticas que agradem o público mais do que as obras produzidas de forma
industrial iremos vencer as corporações de mídia. Vencer naturalmente. No
dia que um jornal produzido de forma cooperativada por jornalistas
independentes e livres conquistar o mercado dos jornais produzidos por grandes
corporações de mídia teremos a Democratização da Comunicação. No dia que
divulgação boca a boca das redes de internet e redes físicas suplantar a
divulgação de massa das corporações televisivas deixará de existir a indústria
cultural. Não precisaremos sequer combater e tentar destruir as
corporações de mídia. Basta sermos felizes e criativos, fortalecendo as redes
mais rizomáticas. Ambos os movimentos já estão acontecendo no dia a dia. Os
grandes ataques contra as corporações capitalistas que acumulam capital não
estão vindo do ataque frontal a elas. Os grandes ataques dos últimos anos
vieram da ação afirmativa de pessoas que começaram a criar novos mercados
que funcionam de forma mais democrática. Como exemplo, podemos citar as redes
de cultura digital.
Por estranho que possa parecer
para socialistas mais tradicionais é no ambiente do mercado que o
capitalismo começa a ser vencido. A revolução começa na forma de organizar as
instituições (empresas, coletivos, etc..) que ganham o mercado.
A economia criativa que acredito
é essa. Não é o capitalismo tentando gangsterear o conceito de Economia
Criativa para “dominar” a criatividade, fixar patentes e roubar criadores.
O capitalismo pode tentar, mas não conseguirá. Chegou a era da verdade e da
consciência, não tem mais como aprisionar criadores. A economia criativa
que acredito é uma economia aonde os criativos são conscientes de seu poder e
se organizam em instituições (empresas, ONGs, redes, etc..) mais
democratizadas. E, porque não dizer, em empresas socializadas. É uma economia
que supera o problema do capitalista que detém os meios de produção. Pois
afinal, os "meios de produção" que interessam hoje são nossas mentes
criativas. E, se eu realmente tiver consciência, não há capitalismo que possa
prender minha mente. A economia criativa que defendo é baseada na
democratização radical que vai além da representativa e do voto e chega as
todas esferas da organização social: as empresas, ONGs, gestão do estado,
igrejas, etc...
A Ética da Floresta é mais apropriada ao desenvolvimento dessa
nova Economia Criativa. E como isso resolve o dilema em criar uma sociedade
mais feliz e mais harmônica que valoriza seres humanos e natureza. Que seja
ecológica sem negar o ser humano, que valorize a natureza sem esquecer que o
homem é parte dela.
Uma nova utopia
Precisamos
de uma nova utopia. É a utopia quem dá o caminho a ser seguido. É a utopia que
nos une e nos dá uma visão e um novo rumo. As utopias mudam o mundo e tem a
força de efetivar grandes transformações.
Nossa crise
atual é decorrente da vergonha em ter novas utopias. Depois da distopia
comunista o mundo ficou com medo de sonhar. Mas o medo já passou. Chegou a hora
de sonhar de novo.
Como diz
Garaudy vivemos no “Monoteísmo do Mercado”. A solução que ele encontrou foi
radicalmente oposta, o islamismo. A nossa pode ser outra, uma ética mais
democrática, criativa e ecológica: a ética da floresta.
O capitalismo já foi uma utopia
e, por isso, conseguiu mudar o mundo. A
ética protestante e o capitalismo trouxeram avanços em determinado momentos
históricos. Permitiu, por exemplo, as navegações e o acúmulo de capitais para
importantes pesquisas cientificas. No
entanto, já há um bom tempo, o discurso da liberdade no mercado começou a ser
aprisionado pelas mesmas energias gangsteres e escravocratas que tentam se
apoderar de todos os discursos. O capitalismo utópico de Adam Smith sonhou com
um mercado livre e auto regulado por seres humanos livres. Mas sua utopia
se transformou numa distopia, aonde os seres humanos ficaram presos
aos interesses de algumas mega corporações que detém a “propriedade sobre os
meios de produção” ou, para ser mais contemporâneo, a propriedade abstrata
sobre o dinheiro acumulado no mercado financeiro.
O socialismo foi outra utopia e
seus ideais também foram aprisionados por energias gangsteres e escravocratas.
O absurdo foi tamanho que o comunismo chegou a ponto de promover uma
“coletivização” forçada por uma ditadura. O discurso da coletivização foi usado como
argumento para Stalin matar milhões de camponeses russos, no que se convencionou chamar
de “coletivização forçada" da agricultura. Hoje todos sabemos que
não existe socialismo sem liberdade e o coletivo não pode opor-se ao
indivíduo. Ao contrário, o coletivo tem que existir para potencializar
os indivíduos. Ser for para escolher
entre coletivo e liberdade individual a escolha é sempre a liberdade individual.
A liberdade individual é o valor maior, mas os seres humanos espertos percebem
que é legal viver experiências coletivas. É na comunidade que o individuo se
potencializa. Mas coletivização forçada é obviamente uma contradição em si,
mais um exemplo de ideal distorcido.
Hoje, no entanto, estamos
corrigindo os erros e estamos colocando em práticas o melhor das utopias.
Vários coletivos artísticos se espalham pelo mundo reinventando o modelo de
produção e criação e disputando o mercado de consumidores livres com as
corporações. Temos condições de ter liberdade, igualdade,
fraternidade e uma sociedade mais justa e inclusiva. Tudo isso se efetiva
numa só palavra: democracia. Mas é claro que uma democracia muito além da
democracia representativa do sistema político. Falamos de uma democracia
radical que se efetive em todas esferas, inclusive na esfera
econômica.
Chegou o momento de lutarmos
novamente por nossa liberdade. Chegou o momento de nos liberarmos da escravidão
espiritual dos desejos capitalistas animalescos que inventamos para nós
mesmos. E da escravidão espiritual de nossos desejos egóicos de poder
ditatorial. Chegou a hora de conquistarmos nossa alforria e aprendermos a
alegria de viver num mundo repleto de pessoas livres.
E a utopia já esta acontecendo.
Em oposição ao desespero do capitalismo exacerbado muitas pessoas começam a
almejar e a viver uma vida mais sustentável, mais equilibrada, mais bela e mais
em paz. Muitas dessas pessoas vem a décadas organizando experiências sociais
diferenciadas, criando novas éticas e novas instituições, que podem servir de
exemplos a serem multiplicados (e retransformados, um dos princípios da ética
xamânica é a transformação permanente) em outras instituições e outros grupos.
A questão agora é unificar essas experiências em uma narrativa que ao mesmo
tempo tenha identidade e permita a diversidade.
E essa utopia deve ser universal.
Não pode servir apenas aos grupos independentes, tem que servir a todos. O
socialismo quando surgiu não era classista, apenas para uma classe: ele sonhava
um mundo melhor para todos. Os ecologistas sempre foram assim, mas poucos dos
que trabalham com cultura entenderam que seu ideal é para todos. Não falamos de
cultura apenas para quem faz arte. Falamos para todas as pessoas que querem
viver melhor, numa cultura mais humana. Não falamos de novos modelos de
produção que possibilitem a criatividade apenas para quem trabalha em coletivos
independentes. Falamos de como esses novos modelos podem recriar até mesmo a
vida de quem trabalha para grandes corporações.
Uma utopia, para ser realmente utópica, tem que ter a pretensão de
incluir todos os seres humanos e resolver os dilemas de todos. Só assim o mundo
ela tem forças para transformar o mundo.
Tudo isso vem de uma nova ética,
uma ética que criará um mundo mais belo e mais pacifico.
A beleza já existe.Ela
esta na diversidade do mundo e da natureza. Só quem
reconhece a beleza que já existe pode criar mais beleza. Só
quem agradece a natureza recebe dela a autorização para recriá-la
sem destruí-la. Tal como acontece na cultura indígena tudo começa no diálogo
com a natureza. E vale lembrar que a natureza inclui os seres humanos. Tudo
começa no diálogo.
A paz vem do diálogo. O diálogo
vem do não-julgamento. Tudo isso vem de uma nova ética.
A inspiração na Ética da
Floresta, na Ética da natureza, no espírito da ética xamânica que nos ensina os
nossos índios está mudando o paradigma da civilização atual e apontando novos
caminhos para nossa vida. Isso se efetiva, por exemplo, nas praticas xamânicas
mais urbanas espalhadas em inúmeros rituais religiosos de várias matizes e nos coletivos
de cultura digital. E começa a ser debatido até mesmo dentro das grandes
corporações que, vale lembrar, são “habitadas” por seres humanos que também
sonham com uma vida melhor.
Assim como a Ética Protestante
possibilitou o desenvolvimento do capitalismo (e vice-versa) o que esta
acontecendo hoje é que a Etica Xamanica da Floresta esta possibilitando o
surgimento da Economia Criativa. E que essa economia criativa é que vai superar
os limites do capitalismo.
Temos que identificar os valores
que já estão ocorrendo e analisar como eles se efetivam em instituições que já
existem e já estão dando certo. Dessa forma teremos repertório conceitual e
experiência acumulada para irradiar mais rapidamente essa nova energia e
acelerar a revolução que o mundo já esta vivendo.
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