sexta-feira, 22 de julho de 2011

Um pouco de fantasia para o cinema brasileiro

É triste mas precisamos constatar: o cinema brasileiro não tem heróis, franquias e nem universos transmidiáticos.

Estamos fazendo setenta filmes por ano há algum tempo mas, até aonde eu consigo lembrar, apenas dois filmes conseguiram se tornar uma marca além do cinema: "Tropa de Elite" e "Taina". O primeiro, no entanto, por ser drama social não tem grande potencial de desenvolver um universo transmidiático em torno dele. Para universo transmidiático o gênero fantasia é muito melhor.

Alias, isso também é impressionante: não temos filmes do gênero sci fi e fantasia. Nosso cinema é viciado em realismo. Temos ótimos filmes reais (sejam comedias, sejam dramas), mas não passeamos nunca no reino da fantasia.

E é assim que a historia se repete ano a ano. Chega as ferias escolares e nossas salas são ocupadas pelos super heróis norte americanos, constantemente recriados e oriundos do mundo todo: do nórdico Thor, até a internacionalista equipe do X-Men. Os americanos querem o mundo todo para eles. Bobos somos nós que deixamos eles ocupar.

Um desavisado poderia dizer que não temos condições técnicas de fazer fantasia no Brasil, por conta dos custos de efeitos especiais. Bobagem. Nossas finalizadoras tem feito coisas ótimas em publicidade e, com mais investimento, teríamos condições de levar os efeitos ao cinema. Pode não ser com a ultima tecnologia, mas seria com a penúltima e tenho certeza que seria suficiente para conquistar nosso público que deve estar ansioso por uma fantasia 100% nacional. O que falta então? Falta um choque em nosso cérebro, uma quebra completa de paradigmas mentais de nós mesmos, realizadores de cinema e gestores de politicas públicas para audiovisual.

Alguns empecilhos mentais que tem atrapalhado o desenvolvimento da fantasia em nosso cinema:

a) Desprezo por heróis. Temos grande dificuldade (vergonha, mesmo) em construir heróis que não sejam anti-heróis. Complexo de vira-lata bravo. Podemos é claro ter ótimos anti-heróis, mas podemos também ter, sem medo de ser feliz, heróis nacionais.

b) Desprezo "esquerdista antigo" pela fantasia. O melhor da esquerda mundial já sabe há tempos que o mundo da fantasia é importante na construção de novos valores. Mas nosso cinema - que nem de esquerda é mais -ainda parece contaminado pela antiga tradição de realismo socialista que contaminou a esquerda no século passado. Será isso mesmo? Será que o realismo socialista ainda nos domina? Tenho dúvidas também, me parece surreal demais. Mas não vejo outra hipótese. Ou alguém tem alguma explicação diferente para nosso cinema ser quase que inteiro feito de filmes que são dramas e comédias sociais?

c) Desprezo por cinema de gênero. No Brasil, resultado das ideias do Glauber, o gênero é considerado "fórmula" americana e fica em oposição ao cinema autoral. O cinema autoral é sempre o filme pequeno, anti-indústria. Bobagem. Basta ver que quem dirige os filmes de super-heróis americanos de maior sucesso são autores, muitos oriundos do cinema independente, como Tim Burton (Batman), Sam Raimi (Homem Aranha), Branagh (Thor). Os americanos não se prendem a essa falsa separação entre cinema autoral e superprodução de gênero. Ser autor é grife e isso é importante para a indústria de cinema, que é uma indústria de alto capital criativo. Filme sem autor nos EUA são os telefilmes que são de produção pequena.

d) Restrição de investimento. Ainda pensamos pequeno na politica audiovisual e ficamos chocados quando um filme custa mais que 15 milhões. Bobagem. Temos que ter coragem de fazer super produções pois temos potencial criativo para sermos uma grande potência audiovisual e só seremos se investirmos pesado em alguns filmes. Mas quando se fala isso alguém sempre argumenta: mas é dinheiro público (incentivado). É verdade. Mas e dai? Dai que, na ideia simplista de democracia que predomina, o dinheiro público deveria ser distribuído igualmente entre todos os pretendentes a fazer filmes. Isso não é política audiovisual industrial. É política assistencialista, lembra bolsa família. Nosso cinema merece mais e nosso povo merece um cinema que pense grande. Temos é claro que ter preocupação com o dinheiro público, mas o critério não é distribuir igualmente a grana entre todos os cineastas necessitados. O critério de investimento deve ser o retorno do filme, em impacto social e bilheteria. Portanto, se investir mais, tem que ter mais retorno, simples assim. Como qualquer indústria, aliás.

e) Por fim: sinto muita falta de uma indústria de História em Quadrinhos no Brasil. Foi nos quadrinhos que surgiram todos as franquias americanas. No Japão e Coreia é aonde até hoje são testados os personagens. O HQ é a base de uma indústria criativa que construa personagens. Infelizmente isso é pouco debatido no Brasil. Ainda pensamos politica cultural segmentada por mídia (cinema, livro, etc..). HQ fica numa fronteira indefinida e é desprezado. Enquanto não tivermos uma política industrial agressiva, criando inúmeros estúdios de criação de historias e muitas editoras especializadas, não teremos personagens nacionais fortes. É no HQ que testaremos muitos personagens para ver em qual o público irá se identificar e aí investir pesado na produção audiovisual transmidiática.

Artigo publicado na Revista de Cinema- http://revistadecinema.uol.com.br

Um comentário:

  1. acho q um caminho q se abriu é o de livros espiritas que viraram filmes. apesar deles fugirem da linha do heroi, ainda assim cumprem uma demana de fantasia. mas uma industria de quadrinhos forte levaria o jogo p/ outro lado. Leandro M

    ResponderExcluir