9mm
“9mm:
São Paulo” enfoca a vida pessoal e profissional de um grupo de
cinco policiais do departamento de homicídios. A ideia é mostrar o
que estes policiais costumam evitar como cair em discursos moralistas
e também as dificuldades de trabalhar em uma das maiores cidades do
mundo.
Direção:
Michael Ruman
Roteiro
e Criação: Roberto d'Avilla, Newton Cannito, Carlos Amorim
Protagonistas:
Norival Rizzo, Luciano Quirino, Clarissa Kiste, Marcos Cesana,
Nicolas Trevijano
Produção:
Fox, Moonshot Pictures
Produtor:
Roberto d'Avilla
Gênero
policial: do procedimento ao drama
Desde
o início o objetivo em “9mm” era fazer uma série policial,
partindo da Delegacia de Homicídios, o DHPP. Da ideia até começar
a filmar foram 10 meses de desenvolvimento entre pesquisas e
roteirização.
Como
gostamos de criar a partir do gênero logo procuramos nossas
inspirações entre séries já realizadas. A primeira referência
foi óbvia: CSI. Pois essa é a série americana que investiga
assassinatos. No entanto, no contato com a realidade brasileira
percebemos logo que o CSI nacional seria quase o trash CSI. Aqui tem
poucos métodos científicos, os policiais sofrem com falta de
recursos e burocracia. Todo o prazer de decifração que o CSI
oferece seria perdido. Além disso, não era a série que queríamos
realmente fazer.
Logo
sacamos que a principal influencia seria The Shield (O Escudo), a
série policial americana sobre o cotidiano de uma delegacia, mega
realista e até hoje uma de minhas séries preferidas. É uma série
sem maniqueísmo, na qual o espectador se identifica emocionalmente
com policiais que também são corruptos e entende a complexidade das
situações. Sempre tivemos a certeza que era esse o caminho que
seguiríamos.
A
principal diferença de CSI para The Shield é que CSI é série de
Procedimento e “The Shield” é drama. A série de procedimento
foca na investigação e no desvendamento do crime, que geralmente já
aconteceu antes. The Shield foca na ação dramática imediata dos
personagens. Para ficar claro a comparação, “House” é uma
série médica de procedimento, pois o House é quase um detetive
tentando desvendar o culpado pelo crime. O culpado, no caso de House
é a causa da doença. O crime é o sintoma. Já E. R. (Plantão
Médico) é uma série de drama. Nós queríamos algo mais drama.
No
entanto, havia o compromisso de ter sempre um assassinato no início
do episódio e um crime a desvendar no transcorrer dele. Esse era o
desafio. Em The Shield é diferente. A série foca no cotidiano de
uma delegacia de bairro e isso permite mais variedade de situações,
que fazem um painel do bairro e lembram a estrutura da crônica.
Percebemos que em “9mm” tínhamos que conciliar todas essas
coisas. Ter o plot forte no episódio e ir construindo também os
conflitos entre os personagens policiais dentro da delegacia. E ter
ainda um pouco de crônica de cotidiano. Era esse o nosso desafio.
Mapa
de personagens e cotidiano da delegacia
Fizemos
pesquisa e criação junto e aos poucos fomos definindo três
caminhos:
a)
construir o mapa de personagens com policiais de várias delegacias
diferentes
b)
Focar nos impedimentos burocráticos e cotidianos para a boa ação
policial
c)
Tratar de forma ficcional a recriação de casos reais que
repercutiram publicamente
A
primeira decisão foi fundamental. Queríamos que o principal
conflito da série fosse entre os policiais investigadores. Mais do
que conflitos entre policiais e os bandidos, o principal conflito que
queríamos era dentro da própria equipe. Para ter conflito nada
melhor do que ter grande diversidade.
Foi
então que decidimos pesquisar a polícia civil como um todo. E
depois todo o ambiente de segurança, incluindo polícia militar,
promotoria, corregodoria, etc.
Dentro
da equipe de nossos cinco protagonistas focamos, é claro, nos vários
caminhos dentro da polícia civil. O perfil do policial que vai ao
DHPP é diferente de um policial do DEIC ou DENARC. Tem diferenças
claras. O DHPP costuma ter menos “acerto” (corrupção). Mas tem
mais chance de dar entrevista. Luisa é a personagem que representa o
DHPP dentro da série. Ela é ética, gosta das coisas preto no
branco e não admite nenhum tipo de contato ou negociação com
criminosos. Ela queria viver no CSI. O Denarc (anti-drogas) tem
muitos jovens bonitões que circulam pela elite. Um perfil que usamos
para o personagem de 3P. O DEIC (focado em roubo de propriedades) tem
também muito acerto, mas tem mais o perfil do Tavares, um
investigador da periferia, conhecedor do pequeno mundo do crime. Já
Horácio foi construído como um personagem da antiga polícia, que
atua desde a época da ditadura militar. Ele é o cowboy solitário
que quer apagar seu passado de crimes mas não consegue. O arquétipo
de Horácio lembra Clint Eastwood em “Os Imperdoáveis”. E
Eduardo é o delegado arrivista, preocupado com a mídia e com seus
discursos hegemônicos, no caso, os direitos humanos. Com esse mapa
de personagens, vários conflitos poderiam surgir.
A
criação de uma boa equação dramática é a chave de todo roteiro.
Principalmente de todo seriado. É a diversidade de personagens que
permitirá o surgimento de bons conflitos.
Na
equação dramática tem o mapa de personagens e o ambiente onde se
desenvolve o drama. No caso do DHPP o que mais observamos é os
inúmeros impedimentos do ambiente para que o trabalho se desenvolva
tranquilamente. São milhares de pequenas coisas: o juiz que demora
para dar a liminar, a impressora que é matricial e demora para
imprimir e depois exige que destaque as bordas do papel, o carro
velho que quebra, o celular que é próprio e termina os créditos na
hora agá, etc. Até vaquinha para comprar papel higiênico para a
delegacia nós vimos acontecer. Logo sacamos que esse material seria
ótimo para criar mais impeditivos e mais tensão dramática. Imagine
só o Jack Bauer (do seriado “24 horas”) não conseguindo usar o
celular pois esta sem crédito? É essa a situação de nossos
policiais. Eles tem vontade e urgência em resolver mas tem
impedimentos o tempo todo. E mesmo depois que prendem, o bandido pode
ser solto por ineficiência da justiça.
Essa
situação do policial tocou em nossa alma. Era algo que precisávamos
sentir. Todo trabalho de pesquisa tem três momentos: a busca do
diferente, a busca do universal e, no meio disso, a busca da emoção
comum que você, como criador, tem em relação ao objeto. Nossa
identificação veio com a vida do policial oprimido pela burocracia.
Como realizadores audiovisuais dependentes do estado todos vivemos
uma situação parecida, de criatividade restrita, de trabalho não
realizado por impedimentos burocráticos. A situação como sabemos
beira ao teatro do absurdo, a situações da qual não temos sequer
clareza dos “culpados”, onde dizemos que a culpa é do “sistema”
ou do “software”. São quilos e quilos de papel para serem
avaliados em sistemas kafkanianos. O imenso esforço exige muita
expectativa. A chance mínima de sucesso gera muita frustação. Tal
como os policiais, vivemos entre picos de expectativa e picos de
frustação. Tal como um policial que consegue finalmente prender um
criminoso após meses de trabalho mas o vê sendo solto por um
detalhe burocrático. É uma sensação que sentimos e nos deu uma
chave de identificação com os dramas dos policiais. Esse
identificação emocional com o seu personagem é fundamental. Você
tem que pesquisar o personagem até encontrar uma identificação
emocional. Mesmo que seu personagem seja um alien, um peixe, um
policial corrupto. Você tem que encontrar sua identificação
emocional com ele. Caso contrário você o tratará a distancia e, em
seguida, o julgará. E julgar não pode. Você tem que amar seus
personagens. Mesmo se ele for assassino, pois mesmo o vilão tem que
ser amado por seu criador. Ele pode até ser punido pelos seus
crimes, mas tem que ser amado pelo criador. Caso contrário a magia
da arte não acontece.
É
quando você ama seu personagem que você consegue autorização para
descer aos seus infernos. É só amando o vilão que você consegue
entrar em sua mente e entender suas maiores vilanias. E criar suas
maiores vilanias. E justificar suas maiores vilanias, como todo bom
vilão sabe fazer. Se o gênero de sua obra for comédia, você deve
descer aos infernos de sua loucura e resgatar o personagem para a
saúde e alegria. Se o gênero é tragédia você desce com ele e
revela “onde isso vai dar”. Descer com ele até a morte final.
Sofrer com ele. Usar o sacrifício do personagem para servir de
exemplo ao telespectador. Em “9mm” optamos pela tragédia. Ambos,
tragédia e comédia, são didáticos. A tragédia, quando bem
realizada, faz o público se identificar com a loucura do personagem
e depois mostra ao público onde essa loucura vai dar. Dessa forma, a
tragédia atua como uma vacina contra a loucura que existe em todos
nós. A dramaturgia é uma Laboratório de Experiência Existencial,
onde o publico pode viver experiências que não viveu, mas já
sonhou viver. É ali, protegido pela ficção, que o público pode
matar um criminoso “mau caráter”. E é ali também que o público
pode sofrer e aprender que ser um assassino só lhe trará outras
tragédias. E é também ali que o público pode treinar alegrias
indescritíveis que serão levada para sua vida cotidiana
posteriormente. “9mm” não fez concessões e optou mesmo pela
tragédia moderna, no sentido que Raymond Willians define a tragédia
dos pequenos personagens. Os personagens de “9mm” não tem a
potência da “Tropa de Elite”, por exemplo. Eles são apenas
pequenos funcionários que sonham em efetivar justiça.
O
principio da Tragédia Moderna foi levado ao extremo em “9mm”. Na
tragédia clássica, o herói é potente e morre para salvar a
comunidade. O final é triste pela morte do protagonista, mas feliz
pois redime a comunidade. Na tragédia moderna a coisa é ainda pior.
O fim trágico não salva a comunidade e não reimplanta a justiça.
É apenas uma revelação do non-sense
da vida. Ele diz ao público: se você entrar nessa vai se dar mal e
isso não terá nenhum significado. “9mm” foi uma série que fez
sucesso de público (aumentou em muito audiência da Fox, por exemplo
e foi sucesso no Japão) e crítica (entre outros prêmios ganhou o
APCA de Melhor Teledramaturgia, concorrendo com toda a TV brasileira
aberta e fechada), fazendo tragédia moderna na veia, sem concessão.
A maioria dos episódios o criminoso não tem final feliz. O
criminoso sequer é preso. Muitas vezes os policias sabem quem é,
mas mesmo assim ele não é preso. Quando é preso revela-se outras
circunstâncias que amenizam e que dividem a culpa com outros (que
não são presos). Outras vezes é preso injustamente. A sensação
da impossibilidade de efetivar justiça é permanente na série.
A
escolha dos crimes
Os
crimes foram escolhidos a partir de pesquisa de crimes reais e
notórios. Nossa ideia sempre foi retrabalhar o conteúdo da imprensa
marrom, mostrar a humanidade por trás de crimes horríveis. Mesmo o
lado mau da humanidade, mas ainda assim, humanidade.
O
interessante é que o crime era escolhido para o episódio para
espelhar a curva dramática pessoal dos personagens. Cada crime serve
para tematizar algum aspecto de alguns de nossos protagonistas. Ou
seja, não escolhemos o crime e depois fazemos as curvas pessoais dos
personagens. Foi ao contrário: primeiro fizemos as curvas pessoais
dos personagens e depois escolhemos os crimes para espelhá-las. É
por isso que “9mm” é mais uma série de personagens do que uma
série de plot (usado aqui no sentido de linha do enredo). O plot do
crime era apenas para gerar a lição que os personagens precisam
ter.
É
assim que:
O
primeiro episódio visa conquistar o público apresentando Horácio
como um potente justiceiro. Para isso apresentamos um crime de
pedofilia onde o chefe do esquema jamais seria preso. É Horácio
quem faz justiça com as próprias mãos. E fica uma dica
narrativa: se seu objetivo é construir um personagem forte faça
ele surpreender o público. Explicando melhor: a surpresa é a
técnica de roteiro oposta ao suspense. No suspense o público sabe
mais que o personagem (a bomba debaixo da mesa que o personagem não
vê, por exemplo). Na surpresa o personagem (e as vezes só o
narrador) sabe mais que o público e segura o informação para
surpreendê-lo. O personagem que você dá o direito de surpreender
o público ganha grande poder no imaginário do espectador. É por
exemplo o que faz Hannibal Lecter ser tão poderoso em Silêncio dos
Inocentes: a mega surpresa de sua fuga. Consciente disso o episódio
foi inteiro construído para que Horácio surpreendesse o público e
ganhasse grande poder. Deu certo. Esse é de todos o episódio mais
irregular da série. Mas o final funciona maravilhosamente e
imediatamente repercutiu na audiência que instantes depois criou
comunidades de fãs de Horácio nas redes sociais.
O
segundo episódio é o oposto complementar ao primeiro. No primeiro
o criminoso é cruel e não tem como ser preso. Ele incita o
surgimento do justiceiro. No segundo, os criminosos são culpados da
morte, mas quase por acidente. No entanto, a imprensa faz uma mega
campanha e os jovens criminosos são execrados publicamente. Eles
são jovens, fracos e cagões. No primeiro episódio tínhamos raiva
do potente criminoso. Nesse, chega a dar dó da fraqueza dos jovens
assassinos. A questão do episódio é a paternidade e aprofundamos
na relação de Horácio com seu enteado viciado em drogas. Ao mesmo
tempo mostramos os pais dos jovens criminosos, lamentando o caminho
dos filhos e com medo de seu espancamento público. Como é comum em
“9mm”, não perdemos tempo sem saber quem é criminoso. O
criminoso é mostrado ao público na primeira cena, a questão é
como prendê-lo. No caso desse episódio a situação se complica
pois o episódio é construído para humanizar os criminosos. Se o
episódio anterior construiu um vilão indiscutível, cínico,
potente e consciente, no segundo episódio é totalmente o oposto. O
desfecho também é o posto complementar ao primeiro episódio. No
primeiro episódio Horácio pega o assassino e o leva até um
terreno baldio. Lá o assassina. No segundo Horácio pega o jovem
bandido e também não o entrega a polícia. Horácio leva o garoto
para o mesmo terreno onde assassinou o criminoso do primeiro
episódio. É a mesma trilha sonora, o mesmo tom. Tudo indica que
Horácio irá matar o garoto. No primeiro episódio o público
torcia pela morte do bandido. Ele é, de todos os episódios de
“9mm”, o que mais se aproxima da ideologia fascista do “fazer
justiça com as próprias mãos”. Mas nesse segundo episódio o
público não torce pelo extermínio do jovem. O público sabe que
ele é bandido e deve ser preso, mas torce para ele sair vivo. Mas
Horácio leva-o ao matadouro. E quando chega lá, ao invés de
matá-lo, Horácio bota o garoto para se encontrar com seu pai, que
já tinha sido apresentado no episódio. Horácio, também pai com
filho envolvido no crime, entende muito bem aquele pai de família.
E tudo que o pai diz ao filho é o que Horácio gostaria de dizer ao
seu enteado. É uma situação espelho, recursos que utilizamos
muito no decorrer do seriado.
3)
O terceiro episódio é todo focado em maternidade. São mães
defendendo seus filhos. A filha de Luisa é testemunha de um
espancamento que termina em morte. A mãe do playboy assassino
defende o filho. A mãe da vitima quer justiça. Luisa teme que a
filha deponha e sofra alguma vingança posterior. 3P, em paralelo, se
infiltra na Academia do Playboy e trava contato com esse universo.
Isso revela o lado arrivista do 3P, sempre atrás de luxo e de
amizade com milionários. Eduardo é pressionado pelo deputado pai de
sua namorada para não investigar o playboy. O episódio é um grande
painel de situações sobre o mesmo tema e no final o playboy não é
mesmo preso. Falta de provas, esquema de poder injustos. 3P decide
fazer justiça com as próprias mãos e propõe um duelo ao playboy.
Se a justiça não rola na lei, ela vai rolar nos punhos. O playboy
aceita. 3P pode agora fazer justiça. A luta começa. Mas 3P toma uma
mega surra e o playboy conclui: “Eu sou o mais forte”, título do
episódio. Isso é tragédia moderna. Isso deixa o público sem ter a
consolação do final que ele esperava. E mais uma vez o crime foi
escolhido para apresentar melhor nossos protagonistas, no caso a
questão da maternidade de Luisa e o lado arrivista (interesseiro) de
3P.
4)
O quarto episódio é o fim da primeira temporada, que teve apenas 4
episódios. Como bom final os conflitos chegam no clímax. Eduardo
tem que resolver uma chacina em 24 horas ou pode ser punido. Mas o
grupo se dissolve por completo e cada investigador, ao invés de
ajudar Eduardo, segue seu próprio conflito. Luisa persegue Horácio
para incriminá-lo pelo crime do primeiro episódio. Tavares tem medo
de investigar na periferia pois pode ter represálias. E realmente
teve. Tavares é baleado e termina a temporada paralítico. Eduardo
não tem como resolver o crime até que é colocado numa Limosine e
um homem sem nome (o Homem X) que explica todo o contexto político.
Aquele não é um pequeno crime, é algo que envolve a política
municipal de transportes. É um jogo maior que o dele. Ele quer
realmente tomar partido contra o poder? Eduardo fica sem palavras. É
um choque. Mas o Homem X já tem a solução forjada pronta para
entregar a Eduardo, que se salva de ser demitido mas vira cúmplice
da conspiração. Dessa forma, ele é iniciado na maldade e obrigado
a compactuar com os policiais corruptos. O episódio é inspirado na
estrutura dramática de Agenda Secreta, thriller político de Ken
Loach que tem um desfecho parecido. O policial começa arrogante e
super poderoso, achando que vai desvendar um assassinato. E acaba
entendendo que por trás daquilo existe um jogo político muito
maior. O enredo sai do crime privado e chega a esfera pública. O
final dessa primeira temporada é mega pessimista. Tavares termina
paralítico, Luisa não consegue fazer justiça e Eduardo é obrigado
a se envolver nos grandes esquemas. O interessante é que, mesmo tão
pessimista e acredito que justamente por isso, a série foi um
sucesso de audiência e crítica. Não que seja necessário todas as
séries do mundo serem pessimistas. Era a fórmula de 9mm. Mas é
importante dizer que essa fórmula também pode funcionar e
conquistar o público.
Do
drama individual a equação social coletiva
Os
outros episódios, do 5 ao 13, seguem estratégias semelhantes. Luisa
vai aos poucos entendendo melhor Horácio. Carente ela se apaixona
por um policial militar que comandou um massacre e ele termina morto
pela namorada. Introduzimos outros assuntos como a relação com a
polícia militar, com a segurança privada, etc. Os conflitos vão se
acentuando. Aparecem novos obsessores para nossos personagens.
Eduardo e 3P são tentados pelo “mal”. Eduardo se relaciona com o
promotor Caio Graco, um homem meio cínico, que procura
auto-promoção, mas na prática defende teoricamente valores
corretos. Eduardo fica entre o pai pobre e a beira da morte e a vida
na elite que estão lhe propiciando. Para Horácio reaparece Ferreira
seu antigo parceiro dos anos 70 que começa a reviver seu passado de
torturador. Tudo isso vai confluindo numa trama que culmina com o
ataque da Facção a SP – inspirado no ataque do PCC de 2006 - tema
do décimo terceiro episódio, esse duplo.
Ou
seja, a série foi aos poucos ampliando seu leque de assuntos e
revelando toda a estrutura social que gera o sistema de segurança.
Os assassinatos são utilizados para revelar problemas sociais do
próprio sistema de segurança e a série se constitui num ambiente
fechado que faz uma verdadeira equação social do ambiente da
segurança pública paulista. A inspiração aqui é Wired (A
Escuta), série que também constrói estruturas complexas e painéis
sociais.
Do
Realismo ao Naturalismo. Do Naturalismo ao Surrealismo
Foi
fazendo a série que toda equipe de roteiristas, produtores,
diretores, atores, técnicos e tudo mais foi descobrindo o estilo
narrativo.
A
série começou baseada em pesquisas e buscando o realismo. Aos
poucos, no entanto, fomos condensando o roteiro em cenas mais curtas
e ele foi se centrando em grandes dilemas éticos da polícia. As
cenas foram ficando cada vez mais dramáticas e mais fortes. O estilo
da interpretação foi criando vida própria e dando um tom além do
que estava no roteiro. Era tudo muito intenso. Muito grito, muito
toque físico, muito drama. Nos permitimos chegar a extremos de
representação como a tortura exibida para um garoto apenas por
sadismo. A câmera na mão e a iluminação estilizada também
reforçavam esse tom mais expressionista. A série foi saindo do
realismo e chegando ao naturalismo. E no episódio quatro, último
episódio da primeira leva de gravação, chegamos num estilo que se
aproximava de algo mais surreal.
O
legal é perceber isso e teorizar. Ao teorizar conseguimos descobrir
as regras da obra. Regras que não vieram de fora da obra. Regras que
nós mesmos criamos ao fazer a obra. Vale explicar um pouco melhor.
No
Brasil, não sei ao certo o porquê, o naturalismo foi associado ao
estilo de direção das novelas da Globo. Não sei onde começou isso
e isso não tem nada a ver com a definição teórica de naturalismo.
Mas ok. Podemos até definir isso para uso nacional. Mas é
importante ao menos saber que existe outra definição de
naturalismo. Um artigo do Deleuze, em “A Imagem Movimento”,
mostra as linhas do Naturalismo literário e sua relação com o
cinema. Naturalismo é aquele estilo de drama que quase animaliza os
homens, os mostram em conflitos muito tensos, em tom de tragédia,
movido por medos primitivos, em espaços opressores. No Brasil temos
romances como “A Carne” (Julio Ribeiro) e “O Cortiço”
(Aluizio Azevedo). Internacionalmente o mais famoso é “Germinal”
de Zola. Como mostra Deleuze, em cinema o Naturalismo dialoga com
diretores como Erick von Stroheim e Luis Bunuel. E o mais
interessante é que o Naturalismo, quando exacerbado, supera a
representação do real e começa a entrar nos limites do transe, do
surreal, do delírio. Bunuel é o melhor exemplo disso.
Quando
reli esse artigo tive uma chave para entender melhor o trabalho que
já vínhamos realizado em “9mm” e entender as regras que
estávamos criando. “9mm” começou com pesquisa de realidade, mas
foi gradativamente virando Naturalista pela exacerbação do drama e
dos conflitos. E, aos poucos, o absurdo das situações foi
permitindo a entrada de transes, delírios e de situações que
beiram o teatro do absurdo. Em alguns episódios isso fica mais
claro, como o episódio 4 (com o Doutor X), o episódio 5 (com
delírios de Eduardo), o 12 (com a criança de rua que faz profecias
e aparece em todos os lugares) e, obviamente, o episódio 13,
construído inteiro como um grande pesadelo. Mas isso é uma
constante em todos os episódios em maior ou menor grau. Lembro que
nas reuniões criativas era comum alguém contar uma piada que todos
riam por quebrar a lógica da série. Geralmente as pessoas descartam
essa “piada” pois a série é um drama. Nós não. Começamos a
usar como método tentar inserir a piada como drama para surpreender
o público. “9mm” é uma série sem humor, não tem um momento
para rir em toda a série. Adoramos humor, mas não era parte do
projeto. Mas a série tem muitas situações inusitadas e que beiram
o surreal, que foram criadas a partir de piadas da equipe criativa.
Isso ajudava a chegar aos limites do realismo, flertando com o
naturalismo e mesmo com a quebra de lógica típica do surrealismo.
O
interessante de definir a linha estética da obra é que isso ajuda
todos da equipe criativa a entenderem as “regras” do universo que
estão criando e a ter ideias adequadas a ele.
Dilemas
éticos e mapa de conflitos dos personagens
Para
terminar vou listar um pouco mais dos dilemas da série e dos
personagens. Voltamos assim ao enredo e entendemos melhor algumas
situações. Para quem não viu a série, esses textos devem servir
de sinopse, para quem viu (recomendo ver pois contarei o final de
todos os episódios) esse resumo permite entender melhor a história
e o processo criativo de um seriado. Muitos dos textos abaixo são
resumos da Bíblia da série, documento de uso interno que usamos
para orientar a criação dos roteiros. Acredito que a partir disso
dá para entender melhor o mapa de personagens e os enredo que a
série aborda.
Os
dilemas dos personagens da série são principalmente dilemas éticos
e são materializados na figura de personagens concretos. O dilema de
3P é materializado na oposição entre dois personagens, Mario e
Tavares. O dilema de Eduardo está no conflito entre Adilson e Caio
Graco. O de Horácio entre Gilson e Ferreira. E assim por diante. O
que dá unidade a esse dilemas é grande tema da série: como, dentro
de um contexto como o nosso, a polícia deve lidar com o criminoso?
Qual é o limite ético? Esse dilema está presente em todos os
personagens e situações e é expresso de diferentes formas. Alguns
mais inexperientes aprendem a lidar com isso (como Luisa, Eduardo e
3P). E outros, mais experientes, lidam com seus “karmas” passados
e servem de exemplo para os mais novos.
3P
Nos
quatro primeiros episódios, 3P (Pedro Paulo Pacheco) é um policial
novato, agressivo e honesto. Ele tem Tavares como contraponto mas,
também, como mentor. Com Tavares, 3P vê, por exemplo, como um
policial negocia com os bandidos. 3P se opõem a isso. Para 3P: “Nóis
é policia” (título do quarto episódio). O mundo de 3P é
maniqueísta, preto e branco. O de Tavares é mais complexo. Mas 3P
também viu Tavares sofrer as consequências dessa fronteira moral,
quando é baleado no episódio quatro. A partir do episódio cinco 3P
conhece um novo estilo de policial. Acontece uma reaproximação
entre ele e seu primo Mário, investigador do Denarc. Mário é um
policial que odeia a Facção, mas que acaba fazendo inúmeros
acertos com os bandidos. A lógica dele é explorar ao máximo os
“trutas”. Quer mais é aproveitar, “que tudo se exploda”. Tem
uma energia meio anarquista e destrutiva. O que aproxima 3P de Mário
é o status. Devido ao modo que Mário trabalha, ele consegue manter
um padrão de vida fora do comum para um investigador da civil. 3P,
inconsequente, acompanha os esquemas do primo, mesmo sem “vocação”
para a coisa. Junto com Mario, 3P parte para a galinhagem. Mas Mario
vai radicalizando e sua relação tensa com a Facção terminará no
grande conflito do décimo terceiro episódio, claramente inspirado
em ataques do PCC. Agora 3P, para evitar uma imensa tragédia , terá
que trair o primo.
Ao
final 3P aprenderá os perigos de se envolver com um policial como
Mario e testará seus limites éticos. Ele perceberá que não é
como Mario. Ao mesmo tempo entenderá um pouco melhor a posição de
Tavares, e a “necessidade” que ele sempre se manifestou de, as
vezes, negociar com a Facção.
Eduardo
O
dilema de 3P espelha o dilema de Eduardo, de outra forma e em outro
tom, mas com alguns problemas éticos parecidos. Como já dissemos
estão todos unidos no debate sobre os limites éticos da atuação
da policia.
Na
equação dramática de Eduardo, Caio Graco faz o papel que, na
história de 3P, é do Mario. Já Tavares é substituído por
Adilson, o agente penitenciário amigo do pai de Eduardo e veterano
da policia. Adilson é figura chave pois é um homem de princípios
rígidos, mas que tem acesso direto aos bandidos da Facção no
presidio. Já Caio é a “obsessão” de Eduardo, tal como Mario é
a obsessão de 3P. Caio é o protótipo do homem que Eduardo acha que
gostaria de ser. E Caio adora inflar o ego de Eduardo para captá-lo
para suas
atividades. Muitas vezes indo contra sua própria equipe e
investigando seus próprios investigadores. Mario, para 3P, também é
o homem que ele acha que gostaria de ser. Ambos, são os FALSOS
MENTORES de nossos protagonistas. Além disso, Mario e Caio, defendem
o desrespeito pela Facção e a divisão clara entre policias e
bandidos. Eduardo e 3P concordam com eles. O aprendizado deles é
perceber que o mundo não é tão maniqueísta e nem sempre o
policial é o mocinho da história. Tavares e Adilson são o pólo
oposto e são os VERDADEIROS MENTORES de nossos personagens. Tavares
e Adilson, mais experientes, ensinam a 3P e Eduardo como eles podem
ser policiais éticos num mundo onde o bem e o mal não são assim
tão “claro e escuro”. Apesar disso, é interessante destacar que
mesmo os mentores tem ambigüidades morais pois são estranhamente
próximos dos membros da Facção, fato que assusta 3P e Eduardo.
Esse é, na verdade, a grande característica da série: superar o
maniqueísmo e se aprofundar na complexidade das situações,
mostrando que é necessário avaliar caso a caso.
Eduardo
também vai se humanizando no transcorrer da série. Ele que era um
delegado negro em ascensão, que namorava a filha de um deputado,
começará a aceitar suas “limitações de classe”.
A
partir do quinto episódio Eduardo começa um processo de piração
egocêntrica. Contrapondo-se a isso aparece a figura de seu pai, que
incorpora tudo que ele não quer, o policial fracassado e alcóolatra.
Ele terá que lidar com isso e entender os motivos de seu pai. Ele
descobrirá a ética do pai e entenderá melhor seus passado e sua
origem.
Tavares
Tavares
é o policial nascido e criado na periferia. Tem muitos amigos que
seguiram para o crime e ele optou por outro caminho. Sua vida é a
política do crime e ele vive o tempo todo na fronteira.
Nos
quatro primeiro episódios ele é ele quem resolve muitos crimes,
devido à sua rede de informantes. Investigação no Brasil não é
CSI, é informante! O crime tem sua rede e quem tem acesso a ela
desvenda os fatos. Tavares tem acesso, mas usa com parcimônia. Pois
sabe o risco disso.
Seu
parceiro mais frequênte é 3P. Tavares atua como mentor para o
“garoto”, mas um mentor de “realidade”. Mostra como
negociar, mostra a hora certa de fugir, mostra a hora certa de não
agir. Tanto que não queria agir no quarto episódio. Pediu
insistentemente para Eduardo ser liberado da investigação pois a
chacina era em seu bairro e ele conhecia o pessoal da Facção.
Eduardo não o liberou e ele terminou baleado e inválido.
No
quinto episódio Tavares está na merda: temporariamente inválido,
recebendo menos e sem trabalhar. Desempregado e se sentindo,
abandonado, Tavares consegue emprego com Pompeu numa empresa de
segurança privada. Lá será testemunha de um crime contra moradores
de rua e fica no dilema ético de como lidar com isso. Denunciar ao
não seu chefe e protetor? Ao mesmo tempo Tavares quer vingança e
volta a negociar com a Facção para salvar seu amigo 3P, reassumindo
seu papel de mentor.
Com
o personagem de Tavares entramos também no cotidiano dos policiais
vítimas de tiros e afastados da corporação.
Horácio
Se
3P faz dupla com Tavares, Horácio faz dupla com Luisa. Mas uma dupla
mega tensa e que chega aos limites do conflito.
O
conflito de Horácio pode se resumir na oposição entre Gilson e
Ferreira. Gilson é o futuro que Horácio gostaria de construir.
Ferreira é o passado que Horácio quer esquecer. A trajetória de
Horácio gravita entre esses dois pólos. A relação de Horácio e
Gilson tematiza uma questão cara a policiais: a herança. A passagem
de pai para filho (ou de um policial mais velho para o mais novo) do
trabalho policial, a noção de que este trabalho é uma arte para
poucos. Assim Gilson passa a ser um aprendiz informal de Horácio.
Este lhe ensina os macetes, as gírias, os procedimentos. Ensina até
a atirar.
Mas
Horácio quer que Gilson seja o bom aluno que ele mesmo não foi. Ele
não quer mostrar a Gilson os “esqueletos” de seu passado. Mas
esses esqueletos vão se materializar na figura de Ferreira.
Ferreira, velho parceiro de Horácio, começa a disputar com Horácio
a atenção de Gilson. Ferreira é um antigo torturador do DOI-CODI,
atualmente um delegado de bairro e gerente de um esquema de extorsão
de traficantes da Cracolândia. Horácio foi o parceiro que Ferreira
sempre quis ter. Juntos, barbarizaram nos porões do regime militar,
torturando presos políticos. Mas o tempo passou e Horácio fez
questão de se afastar de Ferreira. Atormentado por culpas, Horácio
evitou por anos reencontrar Ferreira. E cada um seguiu sua vida,
vendo-se vez ou outra, mas sem muita proximidade.
Mas
agora o pessoal da corregedoria e promotoria está remexendo os ossos
e investigando o passado. Ferreira ressurge na vida de Horácio e não
quer deixá-lo esquecer o passado. Para isso Ferreira se aproxima de
Gilson e começa a ensiná-lo como funciona a “verdadeira polícia”,
a polícia da velha guarda. Até que Gilson se torna uma importante
testemunha de um assassinato na Cracolândia, no episódio onze que
levará ao desfecho da situação de tensão entre Horácio e
Ferreira. Ferreira, incorporado na loucura da maldade, acaba
obrigando pai e filho a assistirem a tortura de um jovem, tal como na
época do Doi-Codi. Ferreira provoca Horácio, perguntando se ainda
lembra o prazer que dá torturar alguém. A cena termina quando
Ferreira extrai do torturado o nome do assassino. Gilson e Horácio
são liberados, desconsolados. E Gilson foi iniciado na visão da
maldade.
O
curioso é que, no desfecho, descobrimos ainda alguma ética em
Ferreira. Uma ética distorcida (pelo nosso ponto de vista de
defensores dos direitos humanos), mas uma regra de conduta que ele
considera ética. O interessante do mundo é que todo vilão acredita
ter sua ética. No caso de Ferreira ele terá a chance de matar
Horácio, mas afirma que não mata e não denuncia policiais. Mesmo
policiais traidores. Ele se considera parte de uma tribo unida e
realmente jamais faria isso.
Esse
tipo de defesa de éticas distorcidas é uma constante em “9mm”.
Sempre buscamos a ética do personagem. Isso tinha desde o início em
Horácio, mas terá até mesmo em Ferreira (o mais próximo de um
vilão clássico que a série construiu). Um outro exemplo de ética
amalucada é quando Horácio se diferencia do esquadrão da morte
afirmando que ele também executa bandido, mas “não vive disso”.
Na ética de Horácio matar um bandido é ético, mas é anti-ético
receber dinheiro por isso. Esse tipo de “ética” foi descoberta
na pesquisa e orientou toda a escrita do roteiro. Acredito que é
esse reconhecimento da “normalidade da loucura” que faz com que
uma obra supere o maniqueísmo.
Luisa
A
grande questão de Luisa é a justiça. E nessa temporada ela
prossegue com esta questão, mas agora aprendendo sobre as diferenças
da polícia que ela almeja (ancorada profundamente nos direitos
humanos) e da polícia que existe hoje (heterogênea e mais complexa
do que ela pode supor). Sobre a definição do que é e de como se
deve fazer justiça.
Esta
sede por uma polícia supostamente mais justa colocou Luisa, nos
quatro primeiro episódios, contra Horácio e fez ela se aliar à
corregedora Paula. Tal como Paula, Luisa também partiu para caçar o
policial que julgavam inadequado (corrupto, torturador). Contudo,
novos fatos irão fazer esta situação praticamente se inverter
entre o episódio cinco e treze.
Sua
paixão pelo Peixoto (policial militar livremente inspirado na figura
do Coronel Ubiratan) mostrará a ela outros lados da polícia.
Peixoto tem fama de colecionador de inimigos e de matador, comandante
de um massacre de presos. Para Luisa, o nome de Peixoto está
associado a tudo aquilo contra o que ela luta dentro da polícia. Mas
Peixoto, com seu estilo sedutor, vai enxergar a solidão de Luisa e
se aproximar dela.
A
resistência dela irá ceder quando Peixoto mostrar o outro lado da
moeda. Ele também revela sua ética. Ajuda Luisa a investigar um
grupo de extermínio composto por policias militares. Luisa perceberá
como Peixoto (o mentor do massacre de presos) é diferente dos
policias exterminadores. Peixoto explica que ele, antes de tudo, é
um militar legalista, que apenas cumpriu ordens do governador, e não
sentiu prazer algum em matar aqueles homens. Mas é totalmente contra
grupos de extermínio e quer que a polícia cumpra as leis. O mundo é
mais complexo do que Luisa podia supor e há muitos tons de cinza
antes de chegar ao negro completo do suposto vilão.
Aos
poucos Luisa “identificará” Peixoto em Horácio. Tanto que,
quando se apaixona por Peixoto, ela fica mais tolerante com Horácio.
Ela se aproxima do colega de equipe e chega a conhecer Gilson. Agora
os dois enxergam o que tem em comum: ambos tem filhos e se preocupam
com sua família. Luisa começa a entender que, por trás do matador
que ela persegue, há um pai preocupado com os filhos. Mais tons de
cinza para Luisa lidar.
A
aproximação definitiva entre ambos chega num momento crítico para
Horácio. Paula procura Luisa para novamente ajudá-la, mas agora no
caso da Cracolândia, que pode comprometer Gilson, filho de Horácio.
Mas Luisa desta vez não irá ajudar Paula. Ela começa a
investigação ao lado de Horácio e irá nesse caminho perceber a
diferença entre Horácio e os policiais corruptos da Cracolândia.
Pois Horácio, mesmo duro e violento, é honesto. Não faz acerto. É
digno. E apenas age – inclusive mata - quando considera que é
justo e necessário. Em todos esses aspectos, ele é diferente dos
policiais corruptos da Cracolândia. Assim, nesse episódio, ela
entenderá melhor Horácio. Até que no clímax, quando Eduardo, Caio
e Paula querem identificar Gilson como testemunha de um crime, Luisa
finge não o conhecer. Ela salva o enteado de Horácio. Tal como
Horácio salvou Dani, sua filha, no terceiro episódio. Finalmente
eles parecem se entender e trocam agradecimentos, cada um à sua
maneira. No final da temporada, Luisa entenderá que o que ela chama
de justiça não é tão simples quanto imaginava inicialmente.
Conclusão
Espero
ter contribuído para dar uma ideia dos temas que perpassam a criação
de um seriado. Para concluir, acho importante enfatizar o que deve
ter ficado obvio: tão importante quanto o conhecimento do roteiro é
conhecer a realidade retratada. Para criar essa série passamos dez
meses entrevistando - e passeando, vivendo, bebendo – com pessoas
do ambiente da segurança de do crime. Foram policiais, promotores,
criminosos e vitimas. Também lemos muito, toda a bibliografia que
encontramos sobre polícia. Ler é importante para preparar o contato
concreto da pesquisa, ajuda a entender o pensamento do grupo que você
quer aproximar.
Por
outro lado, também ficou claro que a pesquisa não é para ser
“realista”. Realismo é um procedimento literário que pode ou
não ser utilizado e cuja definição varia conforme a época.
Pesquisamos a realidade, pois ela é mais surrealista do que nossa
pouca imaginação. Sem pesquisa faríamos apenas o clichê do filme
de gênero. É a pesquisa que nos permite reinventar o gênero. Mas
sem o estudo do gênero a pesquisa não tem forma dramática e aí
também não resulta. No processo de criação a pesquisa e os
personagens reais são colocados em tensão com as formas dramáticas
dadas pelos gêneros (policial, tragédia moderna, etc.) e pelos
estilos (realismo, naturalismo, surrealismo, etc.). É dessa tensão
permanente que vai surgindo a obra artística. Isso é feito em todos
estágios, desde o roteiro até o corte final. A unidade da obra
depende desse diálogo entre a equipe que definirá o tom da série.